Volta ao mundo dos vinhos – Wine World Adventure

Em uma bela manhã de sábado, fiz um programa um tanto quanto inusitado: fiquei dentro de um motorhome, degustando o vinho oficial da Copa do Mundo, o Faces. Explico: fui com uma amiga conhecer a “casa rodante” de um amigo dela, que havia chegado, há poucos dias, de uma expedição de 2 anos e 3 meses. Ele, o pai e a irmã viajaram a bordo do motorhome, visitando os principais países produtores de vinho do mundo.

O motorhome!

O motorhome!

Trata-se da Wine World Adventure, aventura que ficou famosa mundialmente. Resumindo, o trio circulou por 34 países, percorreu 89.952 km, visitou 57 regiões vinícolas, sendo 162 vinícolas, e degustaram 2.951 vinhos. Tá bom ou quer mais?

Claro que aproveitei e bati um papo com Pedro Barros. A curiosidade é bastante e gostaria de saber alguns detalhes do dia a dia, desafios, enfim, conhecer melhor esta vida sobre quatro rodas.
Então, aqui vai um pouco desta aventura, que só me deixou com mais e mais vontade de viajar…

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Retalhos do Mundo (RM) – Pedro, me conte um pouco de onde surgiu a ideia de fazer esta expedição.

Pedro Barros – Meu pai é engenheiro e trabalhou por 35 anos na Usiminas. Lá, ele fazia palestras para funcionários e, certa vez, o tema foi ‘como realizar os sonhos de sua vida’. E meu pai sempre teve como hobby a degustação de vinhos. Assim, sempre teve, também, a vontade de ir à França e Itália aprender mais sobre a bebida. Então, questionei: – “Mas França e Itália? Você não fala nenhum dos dois idiomas”.

Naquela época, ele já estava planejando a aposentadoria, eu já trabalhava com fotografia e pensamos: – “porque não viajar mais?”. Daí, optamos por começar na Argentina e no Chile, pois lá se fala espanhol, mais fácil de entender. Além disso, tem vinícolas excepcionais, como em Mendoza, na Argentina. Decidimos: – “vamos primeiro para lá e depois vamos para a Europa”.

Começamos, então, a discutir: -“se formos para a América do Sul, temos que subir até a Califórnia também, pois alguns dos melhores vinhos estão lá”. E continuamos: – “Europa tem Hungria, com bons vinhos; tem os vinhos de sobremesa; o vinho do Porto, de Portugal. Aí o negócio foi crescendo, até chegarmos à ideia de fazer a volta ao mundo dos vinhos.

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RM – Como foi o planejamento da expedição?

Pedro – Foram três anos planejando, juntando dinheiro. Eu já trabalhava com publicidade e com fotografia. Então, a ideia foi unir as duas coisas: vinho e fotografia. Montei um projeto e fomos em busca de apoio e patrocínio. Então, conseguimos o apoio da Iveco, que nos deu o veículo. Na verdade, eles nos deram três chassis, sendo a cabine da frente e a parte de trás, mas sem nada, apenas o chassi. Fizemos, então, uma permuta com uma empresa que fabrica motorhome no Brasil.

RM – Mas aqui há mercado para a fabricação de motorhome?

Pedro – Este mercado no Brasil é muito fraco. Só existem duas empresas que fabricam no Brasil. Já nos Estados Unidos, Europa e Nova Zelândia é bem mais forte. Os países têm estrutura para isso, oferecem lugar para estacionar, descarregar, sistema de esgoto e água. Tem tudo!

Parece simples, mas dar uma volta ao mundo de motorhome não é fácil. Dá muito trabalho. Exige muito cuidado com o veículo: colocar água, gasolina, descarregar, lidar com problemas mecânicos. É realmente uma aventura. Se acaba a energia, perdemos comida. É preciso de um grande planejamento, pois você vai estar em um lugares que não conhece, que nunca viu na vida.

Interior do motorhome - dois quartos, copa/cozinha e toilet! Tudo o que uma casa precisa...

Interior do motorhome – dois quartos, copa/cozinha e toilet! Tudo o que uma casa precisa…

RM – Quando começaram a viagem?

Pedro – Saímos de Belo Horizonte em dezembro de 2011. A expedição em si, começamos em janeiro de 2012, por Florianópolis.

RM – No total, foi quanto tempo de viagem?

Pedro – Dois anos e três meses de viagem, sem parar. O tempo que parávamos, era o tempo que colocávamos o motorhome no navio para atravessar de um continente para outro, o que levava, em média, três semanas.

Na América do Sul, fizemos Brasil, Uruguai, Argentina e Chile. Em Valparaíso, colocamos o veículo no navio rumo a Houston, nos Estados Unidos. E nós íamos de avião. Então, nesse período para o transporte do carro, éramos livres para fazer o que quiséssemos.

RM – Tipo férias da viagem?

Pedro – Isso! Após a América do Sul, eu fui para a França fazer um curso de francês. Minha irmã voltou para o Brasil para ver o namorado. Então, éramos livres. Um tempo para dar uma respirada.

RM – Como foi dividido o tempo da viagem? Quanto tempo em cada país ou continente?

Pedro – Levamos quatro meses na América do Sul / férias / quatro meses na América do Norte / férias / 11 meses na Europa / férias / depois África do Sul / férias / por fim, Nova Zelândia e Austrália.

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RM – Vocês foram à Ásia?

Pedro – De Ásia, fomos apenas à Turquia. Como a ideia era visitar os principais produtores de vinho, a Ásia ficou de fora, por não ser um país produtor. Apesar de que China é grande produtor, mas são vinhos de baixa qualidade. E, além disso, é muito longe. Então, não valeria a pena.

Mas, quando estávamos na Grécia, onde passamos por Athenas, Santorini, Mikonos, que é um barato, seguimos até Istambul, na Turquia. Chegando lá, fizemos questão de atravessar a ponte e chegar na Ásia, pois a cidade é dividida em duas. Uma parte na Europa e uma na Ásia. Então, colocamos os pés lá!

RM – E, ao visitar 34 países, como era feito com relação ao idioma? Vocês dominam o inglês?

Pedro – Eu e minha irmã falamos inglês, então, quanto a isso, na Europa foi bem tranquilo. Na Alemanha, por exemplo, todo mundo fala inglês. E eles falam de forma pausada, por não ser a língua oficial, o que ajuda muito. Lá me senti bem à vontade para conversar, fiz amigos… achei que seria o contrário.

Nos Estados Unidos, por incrível que pareça, foi mais complicado do que na Alemanha, pois, como é o idioma deles, as pessoas falam muito rápido e, às vezes, é difícil acompanhar.

Já o espanhol, nós falamos também. O francês eu comecei a estudar antes de viajar e, durante a viagem, fiz um curso em Paris, então, fiquei com uma base boa. Minha irmã tem uma base de italiano, pois ela já tinha feito aulas no Brasil. Já meu pai, lê muito bem o inglês, pois ele precisava da leitura no trabalho. Então, isso nos ajudou muito.

RM – Quais foram os principais desafios da viagem?

Pedro – O principal foi a convivência. Ficávamos 24h grudados. Por mais que seja família, foi difícil. Há intimidade demais. Porém, não seria possível fazer esta mesma viagem com amigos. Não aguentaríamos. É algo para se fazer em família mesmo. Mas a convivência é difícil, viu? Pensa você ficar direto grudado neles. Decidir tudo junto, como programação, rota, etc. Então, tinha hora que precisávamos fazer passeios sozinhos. Nas grandes cidades, por exemplo, eu saia sozinho, pois sou solteiro e queria aproveitar também para curtir.

E isso foi essencial, pois, durante a viagem, passamos muito tempo em cidades do interior, visitando as vinícolas, nas regiões rurais. Não tínhamos muita coisa para fazer. Às vezes, ficávamos duas semanas em regiões vinícolas. E, depois de conhecer diversas delas, vai deixando de ser novidade, íamos ficando um pouco entediados. Então, tínhamos que saber lidar com isso também.

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RM – E outros desafios? Passaram por alguns apertos?

Pedro – Claro! Quando saímos da América do Sul, a ideia era irmos para a Califórnia, Washington e Oregon, subindo a costa até o Canadá. Mas tivemos que ir para Houston, porque não seria possível levar o carro de navio até a Califórnia. Assim, precisamos então atravessar os desertos do Texas e de Nevada para chegar à Califórnia. Nessa viagem, entrou uma pedra no ventilador do veículo e perdemos o cooler, o que fazia o motor esquentar demais. E estávamos no deserto, em pleno verão. Então, imagina o calor.

Tivemos que atravessar três mil quilômetros, de Houston para a Califórnia. Fizemos a viagem em sete dias. Ou seja, perdemos muito tempo. E essa demora aconteceu devido à dificuldade para o envio da peça para consertar o carro. Durante a viagem, a Iveco era a responsável pela manutenção do veículo. Então, qualquer problema, ela nos socorria. Mas não existe Iveco nos Estados Unidos. Porém, a Fiat (à qual a Iveco pertence) comprou a Chrysler, que nos forneceria a peça, no entanto, não tinha Chrysler aonde estávamos. Foi preciso que a Iveco brasileira enviasse a peça do Brasil para a Califórnia para podermos trocar. E aí essa viagem demorou demais.

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RM – O que fizeram nesse meio tempo de conserto do carro?

Pedro – Pensamos em ir para o Canadá, mas, lá, as praias não são boas, o vento é muito forte, tanto é que um esporte muito praticado é o windsurfe. Até cheguei a procurar um professor de windsurfe para fazer umas aulas, mas não encontrei. Então, decidimos ir para Las Vegas. Alugamos um carro e andamos uns 1.000 quilômetros até lá. Ficamos uns seis dias em Vegas. Mas, no final, não tínhamos mais nada para fazer. Três dias naquela cidade você esgota. Então, aproveitamos o tempo para descansar, pois o perrengue da viagem foi cansativo.

RM – Frio, chuva… pegaram muito?

Pedro – Nossa, passamos um aperto. Conseguimos uma corrente para colocar no pneu do carro para andarmos na neve. Mas nem mexemos na corrente. Quando começou a nevar mesmo, estávamos em Paris. Então, estacionamos em um camping e ficamos curtindo a cidade e vendo a neve cair. Não quisemos ficar rodando muito com aquele tempo. Mas, alguns dias depois, tivemos que ir para Champagne degustar alguns vinhos. Caso contrário, não daria tempo de seguirmos nosso roteiro. Fomos a Bordeuax, Valle do Loire… A França tem muita região vinícola, então, fizemos toda a rota. Mas, no caminho para Champagne, passamos aperto na estrada, pois esse veículo é muito instável. Por ser alto, ele desliza muito facilmente. E não sabíamos colocar a corrente. Então, fomos de Paris a Champagne a 20 km/h, na neve e sem a corrente.

Outro perrengue foi na Nova Zelândia. Pegamos um tornado, com chuva de granizo. De repente, o céu ficou preto, não víamos nada a nossa frente. Isso foi na cidade de Cristchurch, a qual já foi praticamente dizimada, devido aos tornados. É uma região perigosa e o tornado apareceu do nada.

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RM – Em relação à segurança, houve algum caso referente a isso?

Pedro – Quanto à segurança, foi super tranquilo. Na Europa, Austrália e Nova Zelândia, ficávamos de porta aberta, sem problema algum! No Brasil, infelizmente, não podemos fazer isso. É impossível. Mas tivemos problemas de segurança sim, na Argentina e em Portugal.

Quando estávamos em Porto, em Portugal, íamos degustar alguns vinhos e, como não achávamos vaga para o motorhome, estacionamos o veículo em um lote vago e fomos fazer a degustação. Ao final, fui fazer umas fotos do pôr do sol maravilhoso e meu pai foi me acompanhar. Enquanto isso, minha irmã voltou para o carro. Quando ela chegou, o motorhome estava arrombado e levaram três laptops. Tivemos que comprar outros, pois era ferramenta de trabalho. Podiam até ter levado mais coisas, pertences nossos. Mas acredito que pegaram o que estava ao alcance, mais fácil de lavar.

Na Argentina, estávamos em Puerto Madryn, para fazermos mergulho com leões marinhos. Mas, na madrugada anterior, estávamos dormindo, e minha irmã ouviu um barulho de vidro, por três vezes consecutivas. Quando ela foi olhar, tinham uns três meninos batendo no vidro. Eles chegaram a quebrar o vidro, para tentar entrar. Mas acabaram não entrando. Em questão de segurança, foram esses dois casos.

RM – Como era a estrutura para motorhome nos países visitados? Toda cidade tinha lugar para parar para dormir? Por exemplo, onde deixavam o carro durante as noites em Nova Iorque?

Pedro – Sempre pesquisávamos antes a estrutura das cidade que íamos visitar. Em NY, deixávamos o carro em New Jersey, cidade bem próxima. E íamos para NY de metrô, fazíamos nossa programação, como ir a um jogo do US Open, já que o tênis é uma de nossas paixões, e depois voltávamos para New Jersey. Em cidades grandes era sempre mais difícil de parar. Mas diversas delas tinham ótima estrutura com campings e tudo que precisávamos.

O nosso motorhome não é dos maiores, como os americanos, que são enormes, e nem pequenos como os da Europa. É um tamanho intermediário. Então, passamos aperto na Europa, pois não tinha tanto lugar para parar um carro daquele tamanho.

Horácio e Pedro

Horácio e Pedro

RM – Faziam comida em ‘casa’ ou comiam na rua?

Pedro – No começo, comíamos muito em restaurantes. A ideia de comer fora era muito para conhecer a comida típica de cada local, harmonizar com vinho. Mas tem hora que você cansa de comer todos os dias fora. Além de ficar muito caro. Então, às vezes fazíamos uma comidinha em casa.

Eu e minha irmã cozinhamos alguma coisa, mas meu pai não mexe no fogão. Ele entende de vinho e gosta de comer bem. Mas, para a cozinha, íamos eu e minha irmã. Fazíamos comidinhas leves para harmonizar com vinho branco, como um salmão, por exemplo.

RM – Durante a viagem fizeram cursos sobre vinhos?

Pedro – Meu pai já tinha feito um curso, 15 anos atrás, com o Renato Costa, um sommelier de BH. Ele sempre estudou tanto e aprendeu tanto sobre vinhos, que a vivência dele, ainda mais após a viagem, foi o maior aprendizado. Eu aprendi muito com ele. Degustamos quase 3.000 vinhos. O negócio é saber comparar um com o outro mesmo!

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RM – Você e sua irmã revezavam com seu pai na direção?

Pedro – Sim, eu revezava. Minha irmã dirigiu uma vez na vida, em uma ocasião que precisávamos ir bem devagar, pois o veículo é muito grande. Era uma estrada de rípel, tipo um pedregulho, muito comum na Argentina e no Chile, que exige que vá muito devagar. Foi uma viagem demorada, pois fomos do início da Patagônia até Ushuaia, a cidade mais austral, nesta estrada. E, antes de chegar a Ushuaia, ela dirigiu um pouco. Mas, depois, nunca mais.

Mas eu e meu pai revezávamos sempre. Porém, em cidades muito grandes e movimentadas, como San Francisco ou Nova Iorque, eu não tinha paciência, pois o motorhome é muito grande. Em cidades muito pequenas também não é fácil, como as cidadezinhas europeias, as da Itália, principalmente. Mas, na estrada eu achava uma beleza. Nas autoestradas americanas eu dirigia bastante.

Eu dirigi muito nas Américas do Sul e do Norte, onde tínhamos que correr mais, pois era preciso percorrer maiores distâncias em menos tempo. Já na Europa, onde ficamos quase um ano e os países são pequenos e muito próximos uns aos outros, tínhamos mais tempo e podíamos fazer com mais calma.

RM – Vamos a uma pergunta difícil: qual país você mais gostou?

Pedro – Essa é difícil mesmo, assim como me perguntar qual o melhor vinho.
Mas eu gosto muito de natureza. Sou do tipo que prefiro ir para Miami e San Diego, que são cidades litorâneas e de praia, do que ir para Nova Iorque bater perna. Gosto também, não vou negar. Mas prefiro lugares mais calmos. Viagem para mim é para relaxar, descansar.

Se você me perguntar onde eu voltaria, com certeza, um dos países é a Nova Zelândia. Lá é um lugar que a paisagem é incrível, você vê de tudo: montanha, neve, frio, calor, lago, rio, cachoeira. E é tudo muito verde. Um país muito preservado. Gostei também da Eslovênia e da costa da Croácia. A Itália é lindíssima também.

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RM – Já que você deu a deixa, outra pergunta difícil: qual foi o melhor vinho? Não precisa falar o nome, mas me diga as melhores regiões!

Pedro – Temos vários bons vinhos. Mas alguns que marcaram foram o syrah, da Austrália; um na Patagônia, chamado Noemia. Tem o Wabs one, na Califórnia; o Cheval Blanc, na França. Nossa, tem muita coisa boa. Difícil falar um melhor.

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RM – Depois de viajar tanto, você tem vontade de ir para mais algum lugar?

Pedro – Nossa! Agora que eu tenho ainda mais vontade de viajar! Quero ir aos países que não fomos durante a expedição. Quero conhecer a Ásia. Li o livro Laowai (gringo, em mandarim), da Sônia Bridi. Ela conta sobre a experiência dela na China, e a leitura me deixou com muita vontade de conhecer o país.

Quero ir aos países nórdicos, como a Noruega. E também Tailândia, Alaska, Hawaii e México.

RM – O que vão fazer agora com o motorhome?

Pedro – Estamos com vários projetos em andamento. Estamos produzindo um livro sobre a viagem. Será um livro fotográfico, em que vamos contar a história por meio de imagens. Pretendemos lançar no segundo semestre.

No mais, o carro é nosso, então, é para laser do meu pai. Ele está agora com a Escola Itinerante de Vinhos. Assim, ele pode ir com o carro para o interior, locais que não têm infraestrutura para aulas. Tem muitas pessoas interessadas em aprender sobre vinho, mas não tem local e nem um sommelier para isso. Agora, usamos o motorhome para este fim. Levamos as taças, os vinhos e oferecemos o curso, com duração de dois dias, sendo 4h por dia. Ele ensina e eu o auxilio.

Motorhome agora dá espaço à Escola Itinerante de Vinhos

Motorhome agora dá espaço à Escola Itinerante de Vinhos

Bom, é isso! Aqui está um pouquinho desta aventura maravilhosa! Imaginem que bagagem eles trouxeram!?! É o que eu sempre digo: pare de gastar e vá viajar! Este é um aprendizado e uma riqueza que ninguém pode nos tirar nunca!

O que mais posso dizer? Acho que apenas parabenizar ao sr. Horácio Morais Barros e aos filhos Pedro Henrique Barros e Natália Vieira Barros pela expedição, pela coragem, engajamento e disponibilidade de compartilhar essa história com a gente! A eles, um brinde (com vinho, claro) de muito sucesso!

E lógico que, depois de passar uma manhã ouvindo essas histórias assentada na ‘sala de jantar’ do motorhome, apreciando um bom vinho, já comecei a matutar e trocar mensagens com meu noivo, planejando uma viagem a dois, a bordo de um motorhome. Ainda nem sei quando vamos, mas já estou contando os dias!

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Maceió, a bola da vez

Desta vez, vamos De Carona com a leitora Daisy Silva, que, recentemente, visitou a bela Maceió com o namorado. E, vendo essas fotos, como dá vontade de estar, neste exato momento, em uma das lindas praias do litoral do nosso Brasilzão!

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“Lindas praias, paisagens encantadoras, piscinas naturais e dias ensolarados. É assim que defino uma das capitais mais lindas que já conheci. Maceió é uma cidade que consegue seduzir os turistas devido à variedade de opções à disposição – basta pegar um folheto na portaria dos hotéis sobre os roteiros oferecidos pelas operadoras locais: Praia do Francês, Praia do Gunga, Barra de São Miguel, Maragogi, Praia de Paripueira, entre outras maravilhas. Além disso, é repleta de cultura, vida noturna, bares e restaurantes, e muita história, já que é o local onde nasceu o primeiro presidente da República, Manuel Deodoro da Fonseca.

Infelizmente, Cristopher e eu não conseguimos conhecer todos os pontos turísticos (Cristopher é o meu namorado, rsrs). Sendo assim, compartilho com vocês a nossa experiência que durou uma semana. Ficamos hospedados no hotel Verde Mar, localizado no bairro Pajuçara. O hotel é simples, super aconchegante e de frente para o mar. O café da manhã é delicioso e a comida do restaurante é saborosa.

CAM00158 Piscina com vista para o mar

O nosso primeiro destino foi a Praia do Francês, localizada a 25 km de Maceió. O lugar é lindo, águas claras, bom para fazer uma caminhada. Segundo os moradores da região, é uma das praias mais movimentas por ser uma das mais próximas da capital.

DSC_0027 Praia do Francês

O segundo ponto turístico visitado foi a praia de Paripueira. Localizada a 30 km da cidade, o que mais chama atenção são as piscinas naturais formadas entre bancos coralinos da praia que possui uma grande concentração de fauna marinha, principalmente, de peixinhos coloridos. Paripueira é um ótimo local para quem gosta de fazer mergulho. O valor da atividade é R$ 90. E, quem quiser ter lembranças debaixo d’água, as fotos custam R$ 30. O visitante recebe um CD com 30 registros e várias imagens dos peixes que são encontrados na região.

DSC05725 Mergulho é imperdível

O lugar pelo qual me apaixonei e acho que quem for não pode deixar de conhecer é a Praia do Gunga. Fiquei enfeitiçada pelo local desde o trajeto até a chegada. São encantadores as águas esverdeadas, areias claras, falésias e coqueirais. Para chegar até elas, o turista pode optar por fazer o passeio de buggy ou fazer uma longa caminha pela praia quase deserta. Como se trata de uma propriedade particular, a praia tem cercas de proteção entre os coqueiros que costeiam toda a sua extensão, mas nem elas são capazes de tirar a beleza do lugar. O passeio de buggy custa R$ 35.

DSC_0354 Falésias e buggy no Gunga

Por fim, nós não podíamos voltar a BH sem fazer algumas comprinhas. A Feira de Artesanato de Pajuçara fica à beira mar e possui cerca de 200 barraquinhas que oferecem peças de artesanato, bijuterias, roupas, sapatos e artigos decorativos. O horário de funcionamento é de segunda a domingo, das 10h às 22h.”

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História enviada pela leitora Daisy Silva

De Minas ao Peru sobre duas rodas

Vamos DE CARONA, ou melhor, na garupa, para o Peru? Quem nos conta sobre esta aventura é o motociclista Bruno Affonso, que partiu de Minas Gerais para Machu Picchu sobre duas rodas, na companhia de dois amigos!

“Motociclista e viajante por paixão, uma combinação que considero mais que perfeita, eu e dois amigos, Tielo e Rosalvo, decidimos, em 2012, visitar Machu Picchu e seu vale sagrado, no Peru. Até então, a única certeza é que a viagem seria nos meses de abril e maio de 2013, pelo favorecimento do clima (passaríamos pela Cordilheira dos Andes, que, no inverno, não raro, fica interditada por conta da neve que cobre a região). Até sairmos de casa, o roteiro ainda não estava plenamente definido. O que parecia desorganização, nada mais era que um ingrediente fundamental em uma viagem de aventura: a incerteza!

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Logicamente tínhamos algumas rotas pré-definidas, o que chamávamos de planos A, B, C… O mais difícil foi decidir qual deles adotar. Havia limitação de tempo, dinheiro e grande variedade de pontos turísticos. Não daria para ver tudo e alguma coisa teríamos que sacrificar.

Encontramo-nos em Belo Horizonte, no dia 13 de abril, e seguimos sentido Distrito Federal, pela rodovia 040. Nosso objetivo era rodar sempre durante o dia e chegar o mais longe possível. Chegamos ao anoitecer em Pirenópolis, em Goiás, cidade histórica e que algumas pessoas comparam com Tiradentes, em Minas Gerais. Embora não tenha o mesmo charme e glamour, não faz feio. Uma rua lotada de bares, lojas e restaurantes faz a alegria do turista. Jantamos em uma pizzaria ótima, chamada Trotamundus, que, além de oferecer pizzas deliciosas e quadradas, a um preço honesto, faz a pizza em uma velocidade assustadora. Para quem estava morrendo de fome, como nós, foi uma excelente pedida.

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Partimos no dia seguinte cedo em direção à Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso. Logicamente, não perderíamos a oportunidade de conhecer uma das três chapadas do Brasil (tem também as chapadas Diamantina, na Bahia, e dos Veadeiros, em Goiás). Paramos para almoçar em Barra do Garças, exatamente na divisa entre os estados de Goiás e Mato Grosso, no restaurante Encontro das Águas. Obviamente, comemos peixe, prato típico da região, o qual estava maravilhoso. Valeu a pena. De lá, seguimos até Campo Verde onde dormimos, para conhecer a Chapada no dia seguinte.

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Cedo, já estávamos no mirante do centro geodésico da América do Sul. A paisagem é de tirar o fôlego e ótimo para contemplar a natureza e abusar nas fotografias. Visitamos também a cachoeira Véu da Noiva, o restaurante/mirante Morro dos Ventos e o Portão do Inferno. Todos próximos a rodovia que nos levaria até Cuiabá, capital mato-grossense. Por lá, almoçamos em uma churrascaria rodízio, a Boi Grill. Na realidade, esperava mais do local, porém, classificaria como uma churrascaria honesta, com carne boa e um excelente atendimento. Passamos também por Cáceres e dormimos em Pontes e Lacerda.

06 Centro geodésico da América do Sul

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Mais um dia chegou e este foi de muito trabalho. Seguimos por estradas esburacadas, calorentas e com pouca estrutura turística. Almoçamos em um restaurante à beira da estrada. O barato foi por conta de termos sido abordados por pessoas simpáticas, no município de Ouro Preto do Oeste, que se interessaram muito pelo nosso passeio e o divulgaram para a comunidade local, falando um pouco de nós e de nossas motos. Insistiram para que ficássemos no município, mas, como corríamos contra os quilômetros, resolvemos seguir e pernoitar em Ariquemes, no estado de Rondônia.

No dia seguinte, continuamos o trajeto passando direto por Porto Velho, capital de Rondônia, tendo em vista que perderíamos um dia de viagem caso resolvêssemos conhecer a cidade, sobre a qual várias pessoas nos falaram ser dispensável. Atravessamos o rio Madeira de balsa, bem na fronteira entre Brasil e Bolívia, onde recebemos valiosas orientações do comandante da PM local, já que, literalmente, estávamos no mesmo ‘barco’. Ele nos orientou a evitar a Bolívia, por questões de segurança. Apontando para uma bandeira da Bolívia, afixada do outro lado do rio, nos contou também que havia monitoramento contínuo pelo exército boliviano, pois, recentemente, brasileiros a trocaram por uma bandeira do Flamengo. Sem comentários!

09 Na balsa

10 Bandeira da Bolívia

Já em Rio Branco, capital do Acre, nos surpreendemos com a cidade. Bonita e agradável! Ficamos no Hotel Pinheiro, que é um dos melhores (não muito caro) e fica em frente ao Hotel Inácio, também bom, ambos do mesmo dono. Pelo fato dele ser motociclista, nos fez um preço especial. Ficamos um dia a mais para dar uma descansada e aproveitar para lavar algumas roupas e preparar para a parte mais esperada da viagem. Visitamos alguns pontos turísticos da cidade e a parte próxima à zona portuária, onde existem agradáveis bares com música ao vivo. Encontramos mais dois motociclistas, que estavam no mesmo hotel e iriam também a Machu Picchu. O grupo aumentou e viajamos em cinco motos.

12 Rio Branco

Dia da chegada ao Peru. Saímos cedo e pegamos mais um trecho de estradas esburacadas até Assis Brasil, fronteira dos países. Fomos bem atendidos na alfândega e, depois de uma burocracia de pouco mais de uma hora, seguimos viagem até Puerto Maldonado.

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O clima era outro. A alegria nos tomava de ter chegado até ali, depois de seis dias de viagem e milhares de quilômetros, apesar ainda de termos muito chão pela frente.. O trânsito nos assustou um pouco e tivemos vontade de andar de ‘tuc-tuc’, um triciclo com uma cabine, mas meu tamanho me impediu de desfrutar desta emoção.

16 Tielo no tuc-tuc

Ficamos num hotel muito bom e com bom preço, o hotel Cabaña Quinta. Ali, vimos o quanto pagamos caro no Brasil. Para me sentir um verdadeiro Peruano, provei a cerveja local, Cuzqueña. Sensacional.

15 Uma linda criança peruana

Acordamos ansiosos, pois, neste dia, cruzaríamos a Cordilheira. Por uma dádiva, pegamos neve quando atingimos o topo. Quem viveu praticamente a vida inteira no Rio de Janeiro pode imaginar a emoção daquele momento. Um frio suportável. Imagem de filme. Simplesmente, ficamos bobos com o que víamos.

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Folhas de coca, adquiridas antes, nos ajudaram a vencer o mal da altitude, conhecido lá como ‘soroche’. Elas amenizam os efeitos nada agradáveis desta mudança abrupta de pressão atmosférica e ar mais rarefeito. Algumas pessoas nada sentem. Outras, ficam acabadas. O organismo e o psicológico têm fatores decisivos também. O método certo de ingerir as folhas de coca aprendemos depois, com o nosso guia Holger Garcia em Machu Picchu, que atendia pelo apelido de ‘amoroso’ (tel: 984 725544): devemos selecionar aquelas mais verdes e limpar as pequenas impurezas, com a mão mesmo. Tirar o delicado talo da folha, dobrar ao meio no sentido vertical e vir dobrando, até virar um minúsculo quadrado. Colocar de dez a quinze folhas na parte externa da gengiva, dos dois lados, bem atrás da boca. Respirar lentamente e evitar atividade física intensa ajuda bastante. O nosso amigo Tielo colocava as folhas na boca como se fosse uma girafa. Tentei e me senti mal. O gosto é forte e o odor característico. A forma que foi ensinado tornou o processo ser menos indigesto. Tudo é uma questão de saber como fazer. Além disso, o povo de lá considera tal ato um ritual e fazer de qualquer maneira pode ser visto como desrespeito. Eles garantem que se pode andar um dia inteiro sem haver necessidade de ingerir água mascando a erva. Informação muito útil para quem pretende atravessar uma Cordilheira de moto, como nós, onde tudo pode acontecer.

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Chegamos em Cuzco a noitinha. Foi uma luta encontrar um hotel bom, barato e com ‘cochera’. O trânsito parecia que ia piorando à medida que a cidade ia aumentando. Cuzco está situada a 3.400metros de altitude. Ali, os efeitos da altitude, já são mais notórios. Dor de cabeça, náusea, cansaço excessivo. Para quem já teve ressaca, não é nada de outro mundo. Meu amigo Rosalvo insistia para tomar um remédio ‘genérico’ que ele comprou numa farmácia, sem a descrição dos componentes ativos. Resisti, mas, ao final, me rendi. Arrependimento de não ter tomado antes.

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Cuzco é uma cidade com potencial turístico absurdo. Tem de tudo e todos. A culinária peruana é um caso à parte. Muito saborosa e saudável. Vários museus, parques, restaurantes. Programas para todos os gostos e bolsos. Lá é o principal ponto para quem vai visitar Machu Picchu. Foi onde nos separamos dos amigos paulistas que, por obra do acaso, fizeram parte de nossa viagem. Deixo aqui meu abraço aos irmãos de estradas Wellington e Guilherme.

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Resolvemos deixar as motos no hotel e fechar um pacote para Machu Picchu, indo de van até uma represa e, de lá, caminhando por cerca de duas horas. A volta foi de trem até Ollantaytambo e de van/táxi até Cuzco. O trem encarece muito o passeio, mas foi ótimo não voltar de van.

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Nunca passei pela estrada da morte na Bolívia, mas acredito que o trajeto que a van fez se assemelha a ele, e muito. Lugares com desfiladeiros enormes à beira da rodovia e lugares onde só passava um carro, com muitas curvas, o que fez com que o Tielo passasse muito mal. A paisagem sim, valeu muito a pena. Mas fico na dúvida se faria de novo de van. De moto, eu arriscaria. A caminhada, por sua vez, é muito leve e agradável. Ficamos em um dos inúmeros hostel’s no município que leva o mesmo nome do local: Machu Picchu. O único ponto desagradável na localidade é a umidade muito alta. A camisa chega molhada e assim permanece por dois dias. Por lá, a hospedagem é muito barata, logo, poderíamos ter ficado em um lugar melhor sem comprometer o orçamento. A altitude, para quem estava em Cuzco, é moleza! Voltamos a conseguir respirar.

23 Trajeto para Machu Picchu

Sobre Machu Picchu não vou discorrer muito, pois vários sites se encarregaram disso, alguns, de forma exaustiva. Vou me limitar a dizer que a paisagem e a energia do lugar são extraordinárias. É um lugar que, necessariamente, todos deveriam visitar ao menos uma vez na vida. Com certeza, voltarei para explorar mais o local, não me limitando aos passeios básicos e aprofundando em caminhadas. Foi um momento transcendente. Depois de uma caminhada, comi um prato típico do Peru e maravilhoso: ceviche, que nada mais é do que peixe cru marinado no limão. Os adeptos de comida japonesa podem nadar de braçada. Só tome cuidado com uma pimenta que, dependendo do restaurante, é cortada como um tomate. Tomar um copo de chumbo derretido deve ser mais agradável.

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Voltamos a Cuzco, pegamos a moto e decidimos que iríamos até Lima, pelo pacífico. Várias pessoas nos deram dicas para chegar até lá e concluímos que o trajeto mais prático seria passando por Nazca, mesmo que no mapa pareça não fazer sentido. É que lá há muita montanha e, de um ponto a outro, andaríamos o triplo da distância caso fosse uma reta. Seguimos até onde deu, em Abancay. Ficamos no Hotel Turista, muito bom e muito barato. Eu já estava ficando mal acostumado. Culinária invejável e cerveja cuzqueña gelada! Estava no paraíso. A cidade em si não tem muita coisa.

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Na sequência, passamos por Puquio e chegamos a Nazca. Assustamos com o assédio de pessoas nos oferecendo hotel, a ponto de beirar a indelicadeza. Tivemos que ser contundentes com alguns para que nos deixassem decidir em paz, como fizemos a viagem inteira. Rosalvo não gostou da energia da cidade e ficou louco para ir embora. Ele, definitivamente, ficou angustiado e, embora eu não tenha sentido tal ‘vibração’, confiei no instinto dele e aceleramos no dia seguinte cedo. Não pegamos o voo para ver as famosas linhas de Nazca (desenhos feitos no chão do deserto, em formatos de animais e figuras humanas, designados Patrimônio Mundial pela Unesco), mas as avistamos por um mirante improvisado e não achei nada de outro mundo. Acredito que é um programa para quem não está com o dinheiro contado, portanto, dispensável. Há outros atrativos na cidade, mas corremos sentido Lima.

Chegando ao pacífico! Que paz, que alegria! A sensação de estar do outro lado da América me fez refletir sobre a vida, coisa que, por sinal, fazia todos os dias em cima da moto. Almoçamos em Pisco e, como estávamos adiantados, resolvemos entrar na cidade e pegar um restaurante na beira do mar. Vários pratos de todos os tipos. Priorizamos, por óbvio, comer pescado.

29 Primeiro contato com o Pacífico

Na estrada, já chegando à capital peruana, vimos dois motociclistas, para os quais Rosalvo, na cara dura, fez sinal para conversar e eles pararam. Deram valiosas dicas, como não ir a Plaza de Armas, pois lá era tomado de mendigos e usuários de drogas. Nos indicaram também que ficássemos em Miraflores, um distrito que foi tomado pela expansão urbana e, praticamente, era um bairro da Capital. Excelente pedida. Ali os hotéis já não eram baratos. Após cansativa procura, conseguimos vaga no Hotel Ariosto. O preço não era exorbitante e ainda tinha garagem, o que, no nosso caso, era fundamental. Lembraram da teoria: quanto maior a cidade, pior o trânsito? Lá faz qualquer paulistano se sentir na roça. O curioso é que não havia acidentes, pelo menos não os presenciamos.

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29B Bela igreja em Lima

Após uma injeção de civilização, revisadas as motos, descemos o pacífico rumo ao Chile. Resolvemos que não voltaríamos ao Brasil pelo mesmo trajeto, e, sim, por Foz do Iguaçu. Chegamos em Camaná, ainda no Peru, uma cidadela à beira do Pacífico, onde a única coisa que tínhamos para fazer era dormir. Decidimos que não íamos conhecer Arequipa e nem o lago Titicaca, porque demandaria mais tempo e dinheiro, coisa que não tínhamos sobrando. Fiquei sentido por não ter conhecido Chivay e por não ver o voo dos condores e o Monte Mismi, onde nasce o Rio Amazonas, mas aqui a caminhada seria boa!

Quanto mais ao sul do Peru, maior a diferença de costumes e da culinária. A comida fica mais pesada e o povo mais simples. Aliás, fica aqui minha admiração pelo povo peruano, pela retidão e educação, sendo muito homogêneos em suas tradições e costumes. Como bom brasileiro, esperamos, a todo momento, sermos enganados por algum peruano, algo que nem de perto aconteceu. O meu preconceito me envergonhou.

Seguimos pelo litoral, cruzamos a fronteira do Chile e ficamos em Arica. A mudança do povo e cultura são perceptíveis. Achamos um hotel, Lynch, do qual o proprietário também era um motociclista. Além do desconto, ainda ganhamos um guia da moto, que nos levou para conhecer a cidade, num aprazível passeio noturno. Fica aqui meu especial agradecimento ao que posso chamar de amigo, Gabriel Cristian, que nos auxiliou na troca de pneu da moto, nos levando para a área comercial da cidade e se recusou a aceitar qualquer gratificação por isso.

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Como resolvemos a questão do pneu da moto já tarde, decidimos que acordaríamos de madrugada e seguiríamos direto para San Pedro de Atacama, num ‘só tiro’. Quatro horas da manhã e já estávamos montados na moto. Quando passamos por uma região desértica, além dos fortes ventos, sofremos uma sensação térmica terrivelmente baixa, a ponto de ter sido oportuno uma pausa para um café. Assim que o sol nasceu, problema resolvido. Chegamos em Iquique, ainda cedo, quase sem combustível devido a falta da postos. A cidade é maravilhosa e fica entre o Pacífico e uma montanha. Impressiona, mesmo depois de termos visto tantas maravilhas.

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No mesmo dia, rodamos pelo Pacífico até Tocopilla. As curvas e o mar ao nosso lado me lembrou Roberto Carlos cantado ‘as curvas da estrada de Santos’, a qual também já tive o prazer de conhecer. A saudade do Brasil e de casa já começava a apertar. Chegamos de dia ainda em San Pedro de Atacama. Nada como acordar cedo para render o dia. Logo de cara, encontramos oito motociclistas de São Paulo e logo fizemos amizade e ficamos na mesma pousada que eles. Aliás, é impressionante como na localidade há brasileiros. Muito lugar para conhecer, mas pouco tempo e dinheiro. Essa combinação não deu certo. Acordamos e seguimos viagem, quando nos despedimos do Chile e entramos na Argentina.

Almoçamos à beira de estrada, um prato fantástico e preço idem. Viva a Argentina! Nisso eles são imbatíveis. Descemos a Cordilheira e a viagem já estava com gostinho de despedida. Parecia que já éramos locais. Semanas em cima de uma moto, sendo este o nosso habitat. Dormimos em San Salvador de Jujuy e tivemos dificuldades com câmbio. Como nos arrependemos de não andar com dólar, moeda que é aceita no mundo inteiro… Por pouco, não ficamos sem dinheiro para abastecer, pois não conseguimos cambiar pesos Argentinos e quase nenhum posto aceitava cartão, pois a taxa são assustadores 15%!

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Atravessamos o Chaco argentino com certo receio, pois é uma região de muito calor e pouco habitada. Acredito que a época favoreceu, pois foi muito tranquilo, exceto a entediante e interminável reta. Chegamos a Corrientes e lá sim nos surpreendemos com o tamanho e estrutura da cidade. Muito bom! Altamente recomendável, pena que o nosso tempo já estava terminando.

Dali, seguimos no outro dia até Puerto Iguazú, cidade Argentina que faz fronteira com o Paraguai e com o Brasil. A influência brasileira se mostrou clara neste trajeto: muitos radares de velocidade, coisa que não víamos há milhares de quilômetros. Logo, confirmamos que a educação no trânsito não tem sido bem exercitada no Brasil. Resolvemos dormir na Argentina, ainda porque poderíamos desfrutar de combustível mais barato, estadia mais barata, culinária melhor e mais barata e, para se entrar no Paraguai, o táxi partindo da Argentina é menos burocrático.

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No dia seguinte, fomos até Ciudad del Este, no Paraguai, e seguimos a orientação do taxista, que nos levou numa loja com a garantia de que todos os produtos eram originais. Porém, os preços não compensavam. Quando os preços compensavam, tínhamos que ter cuidado com a qualidade do produto. No final das contas, nada compensava. Exceto muamba, que não era nosso caso, pois nem tínhamos onde carregar. Mas temos que conhecer, nem que seja para falar mal. O melhor da visita à cidade foi o shopping Monalisa, onde os preços eram razoáveis e se encontrava de tudo.

Voltamos para a Argentina, montamos nas motos e pilotamos até Cascavel, já no Brasil, no estado do Paraná. Curioso a quantidade de churrascaria rodízio quando se cruza a fronteira. Embora a Argentina seja ótima na culinária, os brasileiros ganham em gula, pois é uma ao lado da outra. Realmente, não encontramos rodízio em nenhum dos três países que cruzamos. De tanta propaganda, em Cascavel jantamos, lógico, em um rodízio. Tem seu lado bom. O peso que perdemos na viagem (uma média de 5kg) viemos ganhando desde o norte da Argentina.

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Viemos juntos até pouco depois de Londrina, quando nos despedimos do Rosalvo, que passaria pela capital Paulista e iria direto para Niterói, no Rio de Janeiro. Aqui, todas as divergências da viagem foram tomadas por um sentimento de saudade e carinho, que só uma verdadeira amizade pode proporcionar. Valeu demais, Rosalvo! Seguimos, eu e Tielo, e dormimos em São Sebastião do Paraíso, já em Minas Gerais. Embora carioca da gema, o fato de estar no estado que me acolheu de braços abertos, com o jeito mineiro peculiar de ser, me deixou com uma sensação de ter chegado em casa.

Mais 450 km, estava em casa, são e salvo, e com sensação de dever cumprido. Nem uma unha quebrada e sem problema mecânico algum. Só os pneus de duas motos que acabaram. Mais de 12 mil quilômetros e 26 dias longe de casa. Uma viagem inesquecível.”

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História enviada pelo leitor Bruno Affonso

Pico da Bandeira: um lugar perfeito para esperar o amanhã

Dessa vez, vamos DE CARONA com a leitora Gabriela, que fez a caminhada ao Pico da Bandeira para ver o sol se por e nascer! É de emocionar e já faz parte da minha lista de lugares a conhecer! Vamos lá!

“Todos que me conhecem sabem da minha paixão por montanhas, caminhadas em trilhas, mato e tudo que envolve um contato grande com a natureza! Foi assim que, logo no terceiro dia após ingressar na assessoria jurídica em que eu trabalhava, meu amigo Walter me deixou alucinada pela subida ao Pico da Bandeira (localizado no Parque Nacional do Caparaó, divisa de MG e ES), pelo relato que me fez desse passeio fantástico! Já tinha ouvido falar, mas não de forma tão detalhada!

Tentamos fazer o passeio naquele mesmo ano, 2012, mas não conseguimos, pois já estávamos em julho e a programação tem que ser feita com antecedência. Além disso, cada um dos que desejavam ir em nosso grupo já tinha finais de semana tomados por compromissos.

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Conseguimos realizar nosso projeto nos dias 20 e 21 de julho de 2013, depois de termos feito a reserva para o grupo pelo telefone do Parque Nacional do Caparaó – (32) 3747.2943 -, no dia 3 de junho. Antes desta data, já tínhamos telefonado para o Parque e obtivemos a informação de que a reserva para o mês de julho se iniciaria naquele dia. Como nossa vontade era de fazer a caminhada no final de semana da lua cheia, ligamos às 8h e, após várias tentativas, conseguimos!

Fomos na sexta-feira para Alto Caparaó, cidade sede do Parque, que fica a 330 km de Belo Horizonte. Jantamos no restaurante Estância Gourmet, muito agradável e de ótima qualidade. No sábado, após a chegada do restante do grupo, que saiu de BH às 6h, seguimos para o Parque, para iniciarmos nossa emocionante jornada. Na portaria, fizemos o cadastro dos carros, declarando o número de pessoas que subiriam e pagamos a taxa de R$ 17 por pessoa, aí abrangidos a entrada no Parque e a taxa de acampamento.

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Subimos de carro até a Tronqueira, que fica a 1.970 metros de altitude, onde se localiza o estacionamento e há, também, uma área de camping, com banheiros, pias e um mirante natural maravilhoso, de onde se avista o vale do Rio Caparaó e a cidade de Alto Caparaó.

Para nosso alívio, na Tronqueira tem várias mulas que levam as bagagens até o Terreirão, local onde acampamos. Necessitamos de duas mulinhas, pelas quais pagamos R$ 60 a mula, para as oito pessoas do nosso grupo, pois nossa bagagem era consideravelmente grande (barracas, sacos de dormir, cobertores, isolantes, roupas de frio, panelas, fogareiros, comida) e extremamente necessária, já que, não raramente, a temperatura atinge graus negativos.

Iniciamos a primeira caminhada aproximadamente às 12h, por um trajeto de cerca de 4.000 metros de caminhada de nível fácil a médio de dificuldade. Chegamos ao Terreirão por volta de 14h30. A área de camping ainda estava vazia e o sol bem quente!

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Nossas simpáticas ajudantes

No Terreirão, existe uma enorme área de camping com pias, banheiros, chuveiros frios, ou melhor, gelados, e alguns alojamentos de alvenaria e pedra, cuja reserva é mais difícil. Os banheiros e as pias, infelizmente, não são mantidos limpos pelos visitantes.

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Pico da Bandeira visto da trilha para o Terreirão

Armamos nossas barracas e posicionamos nossos sacos de dormir, pois já tínhamos a informação de que, logo após o pôr do sol, a temperatura cairia, bruscamente, por volta de 15 graus. Em seguida, preparamos alguns petiscos e um bom choconhaque, para esperar o entardecer. Embora a entrada de álcool seja proibida, seu consumo moderado não é reprimido no Parque.

O pôr do sol, o qual eu já tinha notícia de que era um espetáculo à parte visto da altitude do Terreirão, de 2.370 metros, me surpreendeu! À frente de nossos olhos, os cumes das montanhas mais altas, que apareciam em meio a um tapete de nuvens e, ao fundo, o sol se escondendo aos poucos, formando cores vivas mescladas no céu. Fantástica e emocionante, a despedida do sol naquele dia levou o público – que a essa hora já havia aumentado bastante – às palmas e gritos, semelhante à apresentação de um ídolo! É de arrepiar!

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Pôr do sol

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De fato, a temperatura despencou, chegando aos 7 graus às 19h. A movimentação de pessoas chegando, armando suas barracas, fazendo comidas, conversando, rindo, transitando para um lado e outro da imensa área de camping era empolgante. Nosso jantar foi um maravilhoso macarrão que já foi levado semi pronto por um dos integrantes do nosso grupo, seguido de mais choconhaque, para tentar esquentar o corpo.

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Tentando espantar o frio

Como o local não possui energia elétrica, grande parte das pessoas se recolheu às suas barracas logo no início da noite, ficando alguns ‘gatos pingados’ responsáveis por uma movimentação que não cessou até as 2h, quando todos se levantaram para seguir o caminho até o Pico da Bandeira. Apesar da escuridão, do frio e da ventania que fazia em plena madrugada, a movimentação, o barulho e as luzes das lanternas rapidamente nos fizeram esquecer que horas eram.

Nosso grupo foi rápido e, em pouco tempo, ingressamos na trilha para a subida ao Pico, num caminho de, aproximadamente, 3.900 metros. Passados menos de 10 minutos de caminhada, já comecei a achar que o casaco de pena de ganso, blusa de lã, gorro, duas calças e três meias que me vestiam eram um exagero e rapidamente retirei o casaco e continuei levando-o preso à cintura.

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Subindo ainda mais…

A caminhada é de nível médio a difícil, sendo necessário um mínimo de preparo físico, portanto, desaconselhada para quem esteja sedentário, o que não era o meu caso. Além disso, as fortes alterações de clima diminuem a resistência física, aumentando o cansaço. No caminho, vimos de crianças a pessoas mais velhas, muitos destes com a ajuda de cajados, em razão do grande número de pedras. A trilha é bem demarcada, com sinais amarelos por toda sua extensão.
Olhando para trás, avistava-se a enorme linha de luzes das lanternas que seguiam pela trilha, em meio à escuridão da noite, a qual era amenizada pelo brilho da lua cheia, que ficava mais linda à medida que amanhecia! Ao final da noite, ela ficou grande, vermelha e baixa, beirando as montanhas, muito parecida com o sol, lindíssima!

Chegando ao cume do Pico da Bandeira, avistamos a trilha feita pelas pessoas que ingressam no Parque pela entrada do Espírito Santo. O mais interessante é que elas chegam na mesmíssima sintonia, animação e vontade de chegar ao objetivo final: apreciar o nascer do sol do ponto mais alto dos dois estados e do terceiro mais alto do país!

A agitação das pessoas no alto do Pico é a mesma daquela vivida no Terreirão, só que, desta vez, chamando pelos nomes dos amigos que acabaram se afastando no decorrer da trilha e citando os nomes das cidades e estados de onde vieram. Porém, esta agitação se torna ainda maior, pois se junta à emoção, visível em cada um, de atingir o cume do Pico da Bandeira, de chegar ao destino daquela jornada maravilhosa!

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Nem mesmo o frio e a ventania imensa, que faziam com que a sensação térmica chegasse a menos de zero grau, retiravam a emoção dos que chegavam ao topo! Aliás, a essa altura, eu não só já estava novamente vestida com meu casaco de pena de ganso, como o havia fechado até o último botão, com a proteção de pescoço, capuz e tudo mais a que tinha direito!

Chegamos ao Pico da Bandeira por volta de 5h30, quando o sol já dava seus primeiros sinais, com as luzes vermelhas no céu. Nos posicionamos em um local em que teríamos uma visão privilegiada do nascer do sol e lá ficamos, até às 6h20, torcendo pela sua chegada, para amenizar o frio que já queimava nossa pele!

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Nascer do sol

O nascer do sol foi maravilhoso! Fantástico! Um espetáculo que levou todos os que lá estavam aos gritos e aplausos, mais uma vez! O tapete de nuvens se perdia no horizonte, com poucos picos de montanhas sobressaindo àquele. A luz do sol, que ficava cada vez mais forte, fazia com que as cores do tapete se mudassem a cada minuto e, de repente, surgiu uma primeira linha daquele imponente rei, que, muito rapidamente, mostrou-se por completo, iluminando e aquecendo o dia! Há quem prefira assistir à partida do sol! Eu, particularmente, fiquei em êxtase com a sua chegada naquele dia, vista de um lugar tão especial!

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Dispensa legendas

Naquele momento, como acontece em todas as vezes em que tenho um contato tão próximo com a natureza, tive ainda mais certeza da perfeição da criação Divina!

Logo após o nascer do sol, fomos até o cruzeiro e a imagem de Cristo, que ficam no alto do Pico, e, logo após, iniciamos a descida, juntamente com a grande maioria dos que estavam ali presentes. Também na descida é interessante avistar os capixabas seguirem por seu caminho, enquanto os mineiros, inclusive nós, voltávamos ao Terreirão, para desfazermos nosso acampamento e seguirmos de volta à Tronqueira.

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Após duas horas de descida, chegamos ao ponto intermediário, Terreirão, e não tivemos tempo sequer de descansar, pois queríamos tentar locar uma das mulas que desceriam às 10h. Com sorte e muita insistência com o administrador das mulas, conseguimos uma única, última, a qual desceu com parte da bagagem, enquanto distribuímos o restante entre nós, para agilizarmos nossa longa volta até BH. A descida até a Tronqueira foi tranquila, com a sensação de dever cumprido, de realização de um desejo antigo!

A natureza sempre me surpreende, me traz experiências maravilhosas e sempre confirma que qualquer obra construída pelo homem, por mais sofisticada que seja, jamais atingirá a beleza das coisas mais simples da natureza, quanto mais as grandiosas, como as que pude presenciar neste passeio maravilhoso!!

Hoje, olho todos os dias para o sol, já alto, e penso que ele já fez seu espetáculo diário em seu nascer, o que me dá uma vontade de estar todos os dias no alvorecer no alto do Pico da Bandeira, para revivê-lo.

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Amigos e companheiros de viagem!

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Agradeço aos meus amigos que fizeram parte deste grupo, Walter, Patrícia, Dudu, Simone, Pedro e Carol, e, especialmente, ao meu marido, Bruno, por compartilharmos momentos tão especiais e emocionantes!”

História enviada pela leitora Gabriela Fontes

Sobre os trilhos da Itália

Nesta seção, o espaço é do leitor, para contar as experiências mundo afora! E, para estrear, uma leitora muito especial, pediu para que eu postasse uma aventura vivenciada por ela durante viagem à Europa, na companhia da filha. No caso, a leitora é minha mãe e a filha SOU EU!

Então, aí está a primeira história da categoria DE CARONA! Fiquem à vontade!

“Era março. Minha primeira viagem à Europa. Fomos eu e minha filha fazermos um passeio de trem pela França e Itália. Já deixo bem claro, de antemão, que não falo francês, nem italiano e, muito menos, inglês, idioma com o qual eu poderia me virar em qualquer canto do mundo. Pelo menos, isso era o que eu pensava até aquele dia. Mas, como minha filha fala inglês, fiquei tranquila em relação à nossa comunicação.

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Estávamos em Paris e lá pegamos o trem com destino à Florença, uma longa viagem, de cerca de 12h. Então, compramos os tickets para fazer o percurso à noite, em uma cabine para seis pessoas. E lá fomos nós, felizes e contentes, com duas malas – a da minha filha pequena e a minha consideravelmente grande, meu maior arrependimento.

Gare du Nord

Já na plataforma do trem, custamos a encontrar nosso vagão. Quando o achamos, entramos arrastando as bagagens e iniciamos uma nova busca, agora pela nossa cabine. Os números eram dispostos de forma bem confusa nas portas das cabines, ao menos para nós, que viajávamos de trem pela primeira vez. Então, minha filha deixou as malas no pequeno corredor e foi atrás de algum funcionário do trem para saber onde era nosso ‘quarto’. Ao encontrar um senhor na porta do vagão, perguntou, em inglês, como achar o local. A resposta logo veio:

– ‘não te entendo’, disse ele, em italiano.

Ela então perguntou:

– ‘você não fala inglês?’.

E a resposta se repetiu: – ‘não te entendo’.

Pronto. Agora estávamos ali, incomunicáveis até que minha filha fez a mesma pergunta a outro senhor que ali se encontrava.

– ‘Senhora’, disse ele, em inglês, ‘os números das cabines encontram-se na porta de cada uma delas. Mas não posso ajudá-la agora, pois sou de outro vagão’.

Sabíamos que os números estavam nas portas, mas não estávamos entendendo. Foi então que retornamos ao corredor e fizemos uma breve análise das plaquinhas. Logo, achamos nossa cabine, já com quatro pessoas lá dentro: um casal de idosos, uma senhora e uma jovem. Então, entramos lá com nossas malas e começamos a luta. As malas só poderiam ser guardadas debaixo dos bancos, espaço obviamente já ocupado, ou em cima das camas, espaço obviamente vazio, mas de difícil acesso. Mas era a única opção, ainda mais se tratando da minha mala consideravelmente grande. Lá fomos nós tentar erguer o ‘container’. Não conseguíamos de jeito nenhum.

mala cheia

Foi então que minha filha subiu na cama e, com ajuda da moça jovem, conseguiram guardar as malas. A essa altura, todo o resto do pessoal da nossa cabine já estava no corredor, para dar espaço às meninas, inclusive eu estava lá fora dando as coordenadas:

– ‘puxa, puxa. Agora mais para a direita. Cuidado, você vai cair daí. Moça, levanta um pouco mais a mala’.

– ‘Mãe, não precisa ficar daí falando que ela não te entende’, dizia minha filha. Eu sempre esquecia que estava em outro país e as únicas brasileiras ali, pelo visto, éramos nós.

Com muita força nos braços, elas conseguiram colocar as malas no bagageiro. Os fortes aplausos dos nossos companheiros de cabine se transformaram em boas risadas. Então, tudo se ajeitou e entramos na cabine. Começamos um bate papo com nossos companheiros. Quer dizer, minha filha começou. Eu entendia apenas algumas palavras.

Descobrimos que a moça irlandesa estava indo passar as férias na casa de uma amiga na Itália. O casal de idosos ingleses estava indo comemorar o aniversário de muitos anos de casamento em Roma e a senhora italiana estava retornando de uma viagem a Paris. Esta, assim como eu, ficou muda durante a conversa.

Papo vai, papo vem, chega à cabine o funcionário italiano, que não fala inglês, e solicita os passaportes. Isso todos nós entendemos. Recolhidos todos os documentos, ele disparou a falar. Com exceção da italiana, não entendemos nada e começamos a questionar o que ele estava tentando explicar. A senhora italiana começou a tentar nos explicar também e ficou aquela confusão de três idiomas dentro de uma cabine. Com muito custo e depois de muitas mímicas, ponto para nós! Ele estava dizendo que precisava dos passaportes para o momento que cruzássemos a fronteira entre França e Itália e explicando que, às 6h, bateria à nossa porta para devolver os documentos de quem fosse descer em Florença: no caso, só eu e minha filha em todo o vagão! O horário previsto para chegar a Florença era às 7h.

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Como morro de medo de me perder, ainda mais se tratando de outro país, onde não falo o idioma, já fiquei preocupada de pegarmos um sono pesado e não ouvirmos o senhor batendo à porta, ou o contrário: imagina se ele dorme e esquece de nos chamar!

Coloquei meu despertador para às 6h e pedi a minha filha que colocasse o dela também. Mesmo porque teríamos que descer a singela mala e, para isso, precisaríamos de tempo.

Às 6h toca o despertador. Minutos depois, o senhor bate à porta e nos entrega nossos documentos.

– ‘Senhor, vamos chegar a Florença no horário previsto?’, perguntou minha filha, em inglês.

– ‘Não te entendo’, respondeu o senhor.

Ela então arriscou em português mesmo, que é mais parecido com o italiano.

– ‘Não te entendo’, respondeu o senhor.

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Então, a senhora italiana que estava em nosso vagão, começou a se manifestar, em italiano, para nos ajudar.

– ‘A próxima cidade é Bologna, depois, Florença’.

Ficamos de olho e chegamos à outra cidade, que não era Bologna. Já ficamos preocupadas, pois, como ela era italiana, deveria conhecer bem a região.

Andamos mais um pouco e logo ela repetiu:

– ‘A próxima cidade é Bologna, depois, Florença’.

Chegamos novamente à outra cidade. Na terceira vez que ela repetiu essa mesma frase e vimos que não estávamos, de novo, em Bologna, começamos a desesperar.

– ‘Já passou Florença e não vimos. Daqui a pouco estamos no sul da Itália’, dizia eu à minha filha. Isso já eram 8h, ou seja, 1h depois do horário previsto.

Foi então que minha filha foi até a sala do funcionário do vagão e começou a gesticular e a falar: – ‘Firenze, Firenze’. Ele fazia gestos com as mãos mostrando que ainda estava por vir e mostrava o relógio, informando que o trem estava atrasado.

IMG_5116 Bolognaaaaa…

Com tanta confusão e medo de perder a parada, colocamos nossas malas no estreito corredor, as transformamos em poltronas e ficamos observando a linda paisagem de neve que cobria ruas e telhados da bela Itália. E nesse balanço do trem, fomos checando nome por nome das cidadezinhas pelas quais passávamos, já ansiosas para chegar ao nosso destino.

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Mas víamos que, de minuto em minuto, pessoas de outras cabines iam até a sala do funcionário do trem, para saber a que horas chegariam. Ele, sabendo falar apenas sua língua pátria, não conseguia ajudar aos outros também. Então, ao virem nossa solução, ao mesmo tempo útil e agradável, de ficar no corredor olhando pela janela, logo, o local já estava lotado de malas e pessoas. Foi aí que descobrimos que não éramos as únicas que desceriam em Florença, como havíamos entendido.

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Ao avistarmos a plaquinha com o nome Firenze, respiramos aliviadas e descemos logo do trem, antes que fôssemos todos expulsos pelo italiano, que já estava bravo com a confusão no pequeno corredor.

Ao final, rimos muito de toda aquela confusão e fomos desfrutar das belezas de Florença e da cozinha regional, até nos depararmos com a próxima aventura pelo velho mundo!”

IMG_5201 Vista do Duomo

História enviada pela leitora Zaine Fontes